domingo, 25 de março de 2012

quarta-feira, 14 de março de 2012

Descriminalização do aborto volta à cena política brasileira

Até maio, a comissão de juristas nomeada pelo Senado para elaborar anteprojeto de lei de um novo Código Penal deverá entregar a conclusão dos trabalhos ao presidente da casa, José Sarney. O texto altera a legislação sobre o aborto, ampliando os casos que não seriam mais considerados crimes. 

A principal inovação possibilita à gestante interromper a gravidez até a 12ª semana de gestação, desde que amparada por laudo médico ou avaliação psicológica. Prevê, ainda, a interrupção da gestação até os dois meses de um anencéfalo ou de feto com anomalia incurável para viver.

“É um passo para discutir a legalização do aborto”, lamentou a presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, Ivette Senise Ferreira,

Em documento enviado ao governo, a Organização das Nações Unidas pede que o Brasil revise, em quatro anos, a legislação que criminaliza o aborto e retire da lei as penalidades contra mulheres que o praticam.

O comitê da ONU “lamenta que as mulheres que passam por abortos ilegais continuem a enfrentar sanções criminais”. Estimativas indicam que sejam praticados 1 milhão de abortos clandestinos por ano, e ocorram 250 mil as internações de mulheres com complicações decorrentes de abortos.

Setores da regional paulista da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vão distribuir folhetos convidando os eleitores a votarem apenas em candidatos, candidatas e partidos que são contra a descriminalização do aborto.
Tratam-se dos mesmos folhetos apreendidos pela Polícia Federal nas eleições de 2010, após representação do Partido dos Trabalhadores. Os folhetos foram liberados pela Justiça em outubro de 2011 para devolução aos religiosos.

Fonte: ALC (14.03.2012)

terça-feira, 13 de março de 2012

Nos 105 anos de Mircea Eliade, conheça a obra do historiador



O historiador Mircea Eliade nasceu em Bucareste, na Romênia, no dia 13 de março de 1907. Entre outros títulos, Eliade é autor dos três tomos da série "História das Crenças e das Idéias Religiosas", obra que marcou a historiografia das religiões. Também foi tradutor de diversos textos sagrados e falava fluentemente oito línguas.

A pesquisa sobre a religião feita pelo historiador romeno exerceu influência em J.R.R. Tolkien (1892-1973), autor de "O Senhor dos Anéis". Graças à abrangência do texto, o título também auxilia o estudo da tese de Joseph Campbell (1904-1987), de "O Poder do Mito". Morreu em Chicago, nos EUA, em 22 de abril de 1986.

O primeiro volume trata do desenvolvimento das crenças da Idade da Pedra aos mistérios de Elêusis. Em "História das Crenças e das Idéias Religiosas" (vol. 2), percorre séculos de simbologias e religiões, de Buda ao domínio do cristianismo na Europa. A última parte dedica às religiões monoteístas, de Maomé às Reformas.

Todos foram recentemente publicados pela editora Zahar. A obra é leitura recomendada para quem se interessa pela história das religiões e da cultura.

Fonte: Folha.com (13.03.2012) <http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/1060937-nos-105-anos-de-mircea-eliade-conheca-a-obra-do-historiador.shtml>

A ciência é ''um dos melhores princípios para conhecer Deus'', diz astrônomo

O astrônomo do Observatório do Vaticano, o irmão jesuíta Guy Consolmagno, afirma que seu estudo sobre o universo através da ciência ajudou-o a compreender melhor a pessoa de Cristo.


O Observatório do Vaticano foi fundado em 1891 pelo Papa Leão XIII, próximo da Basílica de São Pedro, mas foi transferido alguns quilômetros para fora de Roma em 1935, quando a poluição dificultou a visibilidade. O Vaticano estabeleceu uma nova divisão do observatório em Tucson, Arizona, nos EUA, em 1980, e construiu seu próprio telescópio em 1987.


Apesar de as pessoas muitas vezes terem a "louca ideia" de que ciência e religião estão em conflito, a ciência é "realmente um dos nossos melhores princípios para chegar a conhecer Deus", disse.


O Ir. Consolmagno, que também atua como curador de meteoritos do Vaticano, falou no dia 3 de março na Living the Catholic Faith Conference da Arquidiocese de Denver.


Durante sua palestra, intitulada "O Verbo se fez carne", o cientista planetário explicou que os ateus modernos tendem a compreender Deus meramente como uma força que "preenche as lacunas" da nossa compreensão do universo.


"Usar Deus para preencher as lacunas do nosso conhecimento é teologicamente traiçoeiro", afirmou, porque isso minimiza Deus a apenas mais uma força dentro do universo, em vez de reconhecê-lo como a fonte da criação.


Aqueles que acreditam em Deus não devem ter medo da ciência, mas devem vê-la como uma oportunidade que Deus deu à humanidade para conhecê-lo melhor.


O Ir. Consolmagno disse acreditar em Deus "não porque ele está no fim de alguma cadeia lógica de cálculos", mas sim porque ele "experimentou o que a física e a lógica podem me mostrar mas não explicar: beleza, razão e o amor".


A principal diferença entre ele e o cientista ateu Stephen Hawking é que ele reconhece que Deus não é mais uma parte do universo que explica o inexplicável, mas simlogos e "a própria Razão".


Ele falou sobre a fé necessária para abraçar o cristianismo e disse que, embora outras religiões e filosofias mundiais possam nos dar uma visão racional do universo, "só o Evangelho pode nos dizer que a própria Razão se fez carne e habitou entre nós" na pessoa de Jesus Cristo.


A Encarnação é notável porque ela ocorreu, explicou, e também devido à forma como ela ocorreu. Ao vir ao mundo como uma criança, Deus "exerceu uma espécie de contenção sobrenatural", que, contudo, respeitou as leis da natureza.


Fonte: CEBI (12.03.2012)

Biblioteca destaca importância de livro religioso

Algumas das palavras e páginas que mais influenciaram e influenciam na história das sociedades são encontradas nos livros religiosos: as publicações sagradas - seja do cristianismo, islamismo, judaísmo, das religiões africanas, religiões orientais, dentre outras - que servem de guia e referência para bilhões de pessoas diariamente no mundo. Pela importância dessas obras milenares, a Biblioteca Pública Arthur Vianna abordará a temática "Os livros sagrados - Registros da fé" como mote do aniversário de 141 anos da instituição.


As comemorações iniciam no próximo dia 19 de março e vão até o dia 25 de março. Palestras com estudiosos nacionais e locais, exposições, oficinas, stands de livros e atrações culturais irão compor a programação, toda gratuita. O evento é realizado pela Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves.


Uma das principais atrações do evento será o "Ciclo de palestras" que terá a presença de grandes representantes nacionais e locais das mais diversas religiões. A programação ainda terá feira com stands de editoras, além de lançamentos de livros de autores paraenses com noites de autógrafo. Já as oficinas abordarão temas como "Danças circulares" e "Religiões orientais".


Um dos lançamentos do evento será o projeto "A noite é uma palavra", que une os saraus de literatura com outras linguagens artísticas como as artes cênicas e a música. No projeto, alguns artistas inscritos irão transformar a leitura das próprias obras em um grande espetáculo, tendo o acompanhamento de músicos, atores e contando inclusive com o apoio de uma direção de arte.


Palestras, sessões de cinema e exposições


A exemplo do que ocorreu nos 140 anos da Arthur Vianna, a comemoração de aniversário não ficará restrita aos andares da Biblioteca. A programação se espalhará por outros espaços da Fundação Tancredo Neves como o Cine Líbero Luxardo, que exibirá uma programação especial de películas com temáticas religiosas.


Shows musicais também terão vez no aniversário, com grupos e artistas que realizarão apresentações temáticas: música gospel, ritmos africanos, mantras e outros estilos aproximarão o público da arte característica de cada uma das culturas e religiões abordadas na semana.


A exposição "Os livros sagrados - Registros da fé" também será um dos atrativos do evento, levando informações sobre a história e o conteúdo de livros religiosos que marcam as sociedades ocidental e oriental.


A programação ainda terá outras duas exposições: a primeira é uma Exposição de Calendários do Japão, mostra inédita que reúne mais de 100 calendários que mostram as paisagens naturais e arquitetônicas daquele país; a segunda, "Diversidade religiosa", é uma mostra de fotografias realizada por 25 artistas paraenses.


Para Sérgio Massoud, Diretor de Leitura e Informação da Fundação Tancredo Neves, "a programação será uma oportunidade imperdível para aqueles que gostam do livro, da leitura e da cultura de um modo geral. Todas as linguagens estarão envolvidas: a música, o teatro, a dança, além da literatura". O diretor ressalta que uma das ideias da Semana é "consolidar o aniversário da Biblioteca Pública Arthur Vianna como uma semana de referência do livro, da leitura e da informação no Estado do Pará".


Serviço


A semana de comemoração dos 141 anos da Biblioteca Pública Arthur Vianna acontece de 19 a 25 de março, na Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, com o tema "Os livros sagrados - Registros da fé". Mais informações: 3202 - 4332.


Fonte: CEBI (12.03.2012)

domingo, 11 de março de 2012

Descoberta Bíblia com 1500 anos na Turquia

Tem 1500 anos e é uma das mais antigas bíblias do mundo. A descoberta foi feita na Turquia depois de a polícia ter desmantelado uma rede de venda ilegal de antiguidades em 2000.
Desde então a bíblia, escrita em folhas de couro e que de acordo com os peritos é inteiramente original, foi mantida durante vários anos num cofre-forte de Ancara até ter sido entregue ao Museu Etnográfico de Ancara. A instituição deverá agora restaurá-la para em seguida ser exposta ao público.
O documento, que está avaliado em perto de 20 milhões de euros, é inteiramente escrito em siríaco um dialeto do aramaico, língua que terá sido falada por Jesus Cristo.
São muitas as vozes que afirmam que esta versão da bíblia é o controverso Evangelho de Barnabé, que contradiz o Novo Testamento e aproxima-se da visão de Jesus da religião islâmica.
O Vaticano já pediu às autoridades turcas para analisar o documento.

Aliança quase santa na política do Rio de Janeiro

Na política brasileira, ferrenhos inimigos históricos sempre podem apresentar uma recaída e saírem abraçados com aqueles que ontem combatiam. Atendem, ao menos, o princípio cristão da reconciliação. É o que está em andamento no Rio de Janeiro com os ex-hostilizados Cesar Maia, três vezes prefeito da cidade, e Anthony Garotinho, ex-governador do Estado.

Filhos dos dois velhos políticos – Rodrigo Maia e Clarissa Garotinho – devem formar a chapa DEM-PR (Democrata e Partido da República) para a disputa da prefeitura do Rio de Janeiro. Rodrigo para prefeito, Clarissa para vice.

Cesar Maia nunca recorreu a recursos religiosos nas suas campanhas políticas. “Somos um partido historicamente liberal na economia e, em relação aos valores, conservador, convergente com as ideias do PR do Garotinho”, declarou Rodrigo Maia à repórter Luciana Nunes Leal, de O Estado de São Paulo.

“Ninguém está fazendo campanha para papa ou bispo, a campanha é para prefeito. Não vai ser o principal, mas as temáticas religiosas vão estar presentes”, assegurou Garotinho à repórter.

É mais um indício da anunciada “guerra santa” nas eleições municipais deste ano. Embora não seja uma massa homogênea, evangélicos ganham mais força no cenário político nacional. A presidenta da República, Dilma Rousseff, chamou o bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, senador Marcelo Crivela, para assumir a pasta da Pesca e Aquicultura, numa tentativa de neutralizar a oposição de evangélicos ao seu governo e aos candidatos do Partido dos Trabalhadores.

Manifestações de líderes evangélicos quando da convocação de Crivela ao Ministério da Pesca deixa evidente que não existe um posicionamento de grupo no campo político. “Achar que evangélicos vão ficar satisfeitos porque têm um deles no governo comandando o inexpressivo Ministério da Pesca é risível”, reagiu um dos líderes da bancada evangélica no Congresso, o deputado federal Eduardo Cunha, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro do Rio de Janeiro.

“Não adianta colocar evangélico no Ministério. Não vamos dar refresco ao Haddad (ex-ministro da Educação no governo Lula e Dilma) em São Paulo com o kit gay (material que seria distribuído nas escolas públicas sobre sexualidade humana)”, prometeu o pastor Silas Malafaia, da Assembléia de Deus.

Mas evangélicos, e conservadores católicos, votam em bloco quando o assunto envolve questões morais, como aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo e relações homoafetivas. Em questões de direitos individuais, via de regra parlamentares evangélicos não têm agido de acordo com programas dos seus partidos, “legalmente constituídos e pelos quais foram eleitos, mas sim pelas orientações religiosas a que professam”, constatou o jornalista Felipe Severo, da Revista Viés.

A Frente Parlamentar Evangélica cresceu de 46 para 68 deputados nas eleições de 2010, um aumento de quase 50% de um pleito a outro. A maioria dos deputados evangélicos, que representam 13,2% do total, é oriunda da Assembléia de Deus. Se todos militassem num só partido, seria a terceira força no Congresso, ficando apenas atrás do PT e do PMDB.

Fonte: ALC (12.03.2012)

Bispos filipinos conclamam fiéis a dispensar celular e internet na Sexta-Feira Santa

A Conferência Episcopal filipina fez um chamado aos católicos para que se abstenham não só de comer carne durante a Sexta-Feira da Quaresma, mas que evitem navegar na internet e usar telefones móveis. Mais de 80% da população do país declaram-se católicos.

Moderar o uso dessas tecnologias também é uma forma de constrição na Semana Santa. A  Conferência Episcopal entendeu oportuno o chamado para cumprir o que exige a Quaresma.

Esse será, no entanto, um preceito difícil de cumprir, analisam especialistas. Filipinas é conhecida como uma das campeãs no uso de mensagens de texto. Cada usuário emite e recebe 600 mensagens por mês, no mínimo. Fiéis entendem que o clero confundiu o sentido da abstinência, mesmo porque a comunicação humana é fundamental.

Fonte: ALC (07.03.2012)

Lutero ganha praça em Igrejinha (RS)

Ao completar 150 anos de fundação, na quarta-feira, 7, a Paróquia Evangélica de Confissão Luterana de Igrejinha (cidade localizada a 82 km de Porto Alegre) vai comemorar esse marco no domingo, 11, com um culto às 9h30, seguida da inauguração da Galeria Fotográfica dos religiosos que a pastorearam nesse século e meio de existência e da criação, às 11h, da Praça Jardim de Lutero, próximo à ponte João Pedro Kichler.

O projeto do Jardim prevê o plantio de árvores representando as 30 paróquias, 104 comunidades, 107 pontos de pregação e aproximadamente 60 mil pessoas batizadas que compõem o Sínodo Nordeste Gaúcho, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). O Sínodo abrange 68 municípios da região Nordeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Junto a cada árvore será colocada uma placa com os dados da paróquia mantenedora e um fato da história da Reforma Protestante. No centro do jardim será colocada a Rosa de Lutero, símbolo do movimento da Reforma. 

Também está prevista a construção de local para abrigar celebrações e apresentações artísticas. O espaço estará aberto ao público, servindo ao lazer e contribuindo para o conhecimento da história da Reforma Protestante e, ao mesmo tempo, para a conscientização do cuidado com o meio ambiente.

A Praça Jardim de Lutero, viabilizada com a parceria da paróquia com a Prefeitura Municipal, foi inspirada em proposta semelhante criada em Wittenberg, na Alemanha. “Já a partir do lançamento estaremos conectados a várias cidades e comunidades em todo o mundo, que também adotaram a ideia”, ressaltou o pastor sinodal Altemir Labes. Essas ações integram o pré-programa dos festejos dos 500 anos da Reforma protestante, em 2017.

Fonte: ALC (10.03.2012)

quarta-feira, 7 de março de 2012

O milagre da privada

Por que as novas igrejas evangélicas fazem tanto sucesso?

Coluna de Eliane Brum (Revista Época).

Veja em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI231711-15230,00.html>.

Deus retorna ao centro do debate eleitoral nos EUA

Estudiosos do tema eleitoral assinalam que “Deus entrou na campanha republicana”, a partir do conflito do presidente Barack Obama com a Igreja Católica por causa do uso dos anticonceptivos e do perfil religioso dos candidatos do partido da oposição. Existe a expressa intenção de deslegitimar o presidente para impor um radicalismo a partir da religião.

Segundo os analistas, a barreira entre religião e política tende a disseminar-se bem mais nos Estados Unidos do que na Europa, ainda que a Constituição da República garanta que não possa existir religião oficial alguma, embora mais do que 90% dos estadunidenses declaram-se seguidores de uma religião.

Obama definiu-se como um homem religioso, viveu essa religiosidade com discrição e não escolheu qualquer igreja em Washington para dela participar, como fizeram presidentes anteriores. Muitos estadunidenses consideram-no muçulmano. O debate ameaça com estender-se até as eleições de novembro.

Recentemente, o reverendo Franklin Graham, filho de Billy Graham, declarou que Obama é considerado como um filho do Islã pelos próprios seguidores do islamismo. Disse que é natural que assim seja, porque, desde o princípio de seu mandato deu via livre a esse tipo de fé não cristã no país.

A polêmica cresceu, por esses dias, ante os supostos perigos que ameaçam a religião nos Estados Unidos, quando um antigo bispo mórmon e outro católico podem concorrer a cargos públicos pelo partido republicano. O candidato a candidato à presidência da República dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, Rick Santorum, lembrou, como o fizera em 2008, que “Satanás tinha posto a vista nos Estados Unidos” por causa do incremento do materialismo e da corrupção na sociedade, que levaram a uma profunda crise de valores.

Outro pré-candidato, Mitt Romney, assinalou que Obama está destruindo a liberdade religiosa com suas atitudes e ameaça ao clero. E Newt Gingrich afirmou que o presidente Obama, se ganhar um segundo mandato, desencadeará uma guerra contra os católicos.

Fonte: ALC (06.03.2012)

terça-feira, 6 de março de 2012

CMI repudia doutrina que justificou abusos contra povos indígenas

A “Doutrina do Descobrimento” tem sido usada para subjugar e colonizar povos indígenas, o que, na visão do Comitê Executivo do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), fere o evangelho de Jesus Cristo".

A declaração foi divulgada na reunião que aconteceu dias 14 a 18 de fevereiro, em Bossey, Suíça, com um pedido de repúdio à doutrina do descobrimento, que permitiu a escravização dos povos indígenas em nome do cristianismo.

A origem da doutrina remonta às bulas papais emitidas pelo papa Nicolau V, em 1452 e 1455, respectivamente, que legitimaram a invasão de terras e assassinato de povos Indígenas.

Esses documentos históricos da igreja, intitulados “Dum Diversas” e “Romanus Pontifex”, decalaravam que os povos não-cristãos podiam ser capturados, derrotados e ter suas propriedades e bens apreendidos pelos monarcas cristãos.

Com base nesse referencial histórico, a declaração assinala que, "Cristóvão Colombo foi instruído, por exemplo, para ‘descobrir e conquistar’, ‘subjugar e adquirir’ terras distantes".

Países europeus, como a Espanha, Portugal, Inglaterra, França e Holanda, lançaram mão dessa doutrina, que foi introduzida na lei dos Estados Unidos e, depois, na Austrália, Canadá e Nova Zelândia.

A declaração do Comitê Executivo ressalta que "a situação atual dos povos indígenas ao redor do mundo é o resultado de um programa linear de precedentes 'legais', que surgiram com a ‘Doutrina do Descorimento’ e codificada nas leis políticas nacionais contemporâneas".

A declaração do CMI rejeita a idéia apoiada pela doutrina de que "os cristãos gozam de um direito moral e legal baseado unicamente na sua identidade religiosa para invadir e tomar terras indígenas e dominar povos indígenas".

Descrevendo a Doutrina do Descobrimento como uma violação dos direitos humanos, a declaração apóia os "direitos dos povos indígenas de viver e manter suas terras e territórios" e de "manter e enriquecer suas culturas”.

Junto com as dioceses Episcopais de Maine e New York Central, além da Philadelphia Yearly Meeting of the Religious Society of Friends, muitas igrejas têm denunciado essa doutrina nos Estados Unidos e no Canadá. No ano passado, várias igrejas Universalistas Unitárias e Quakers também aprovaram resoluções repudiando a doutrina.

Como a Doutrina do Descobrimento será o tema da 11 ª sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas (UNPFII), este ano, a declaração do Comitê Executivo do CMI salientou a necessidade de sensibilizar as igrejas sobre o assunto. A sessão da UNPFII acontecerá entre 7 a 18 maio de 2012, em Nova York. O documento do Comitê Executivo instou as igrejas e organizações ecumênicas a se mobilizarem e participarem do processo do Fórum.

A declaração pediu, ainda, aos governos para que "assegurem que suas políticas, regulamentos e leis que afetam os povos indígenas estejam em conformidade com as convenções internacionais e, em particular, em conformidade com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho".

Através dessa declaração, o CMI reafirma seu compromisso com os direitos dos povos indígenas, pedindo a cada igreja-membro para "refletir acerca de sua história nacional e da própria igreja" e buscar melhor compreensão melhor das questões enfrentadas pelos povos indígenas”.

Fonte: ALC (28.02.2012)

Pedro Casaldáliga. A vida do bispo dos pobres em seriado de TV

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O bispo emérito de São Félix do Araguaia (Brasil), bispo dos pobres e dos sem-terras, Pedro Casaldáliga, terá sua série de televisão. Trata-se de "Descalzo sobre la tierra roja" (Descalço sobre a terra vermelha, em catalão), baseado no romance homônimo do jornalista Francesc Escribano, que começará a gravação na primavera e será transmitida na TVE e TV3.


O papel do missionário catalão será interpretado por Eduard Fernández, que visitou ao prelado na Amazônia, há alguns meses, para conhecê-lo pessoalmente. A série será co-produzida pela TVC, TVE, Minoria Absoluta, Raiz Produções Cinematográficas e TV Brasil.


Em 16 de fevereiro passado, Pedro Casaldáliga completou 84 anos. Nascido em 1928, foi ordenado sacerdote em 31de maio de 1952, unindo-se aos claretianos. Em junho de 1968, mudou-se como missionário para o estado do Mato Grosso, no Brasil. Em 23 de outubro de 1971 foi ordenado bispo de São Félix do Araguaia.


A diocese era uma das mais extensas do país, ocupando uma área de aproximadamente 150.000 Km2, habitada em sua maior parte por indígenas e terratenentes assim como o regime militar existente no Brasil naquele momento. João Bosco, seu vigário, foi assassinado por matadores que o confundiram com o próprio Casaldáliga (1977). Nesses momentos, recebeu total apoio do Vaticano, especialmente do papa Paulo VI, mas nem sempre seria assim.


Mesmo que jamais tenha regressado para a Espanha, sempre se mostrado resistente a viajar por medo de não poder entrar novamente no Brasil, em 1985 realizou uma polêmica visita a Nicarágua. Casaldáliga foi até esse país para apresentar sua solidariedade aos religiosos nicaraguenses. Em 1988 viajou até o Vaticano e foi recebido em audiência pelo Papa. A visita não foi plenamente satisfatória e, alguns meses mais tarde, recebeu uma séria advertência da Santa Sé que criticou seu apoio à causa sandinista e à teologia da libertação.


Ao completar os 75 anos, Casaldáliga lembrou-se do Vaticano que - como todos os bispos ao chegar a essa idade - tinha que apresentar sua renúncia. O religioso decidiu permanecer na diocese que dirigiu durante mais de 35 anos, reinvidicando a participação da comunidade na eleição de seu sucessor, embora a Santa Sé lhe tenha recomendado deixar o país. Há algum tempo enfermo de Parkinson, Pedro Casaldáliga não quis abandonar a luta pela defesa dos direitos dos menos favorecidos.


Fonte: CEBI (02.03.2012)

Governo Dilma busca aproximação com evangélicos

Preparando-se para a “guerra santa” prevista para as eleições municipais deste ano, a presidenta da República, Dilma Rousseff, convidou o senador Marcelo Crivella, 54 anos, bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) eleito pelo Partido Republicano Brasileiro (PRB), para capitanear o Ministério da Pesca e Aquicultura. Crivella assumiu o cargo na sexta-feira, 2 de março.

Na posse, Dilma Rousseff defendeu a política de coalizão do governo. “A constituição de alianças políticas é fundamental para que o Brasil seja administrado, governado de forma democrática e, ao mesmo tempo, que o governo represente os interesses da nação”, disse. Ela destacou que a entrada de Crivella no governo é o reconhecimento da importância do PRB, partido do ex-presidente José Alencar, na coalizão que dá sustentação ao governo federal.

Oposicionistas não perderam a oportunidade de criticar a escolha. “O governo resolveu pôr na Pesca um pescador de almas, que ainda não vai andar sobre as águas”, alfinetou o senador Cristovam Buarque, do Partido Democrático Trabalhista.

A inclusão de Crivella no governo é uma tentativa de aplacar a ira de setores conservadores, da bancada evangélica ao movimento carismático católico. O ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, admitiu que a escolha de Crivella tem por objetivo, também, ampliar o diálogo com o setor evangélico. O próprio Carvalho, um ex-seminarista vinculado à Igreja Católica, entrou em rota de coalizão com os evangélicos ao afirmar, no Fórum Social de Porto Alegre, no final de janeiro, que o Estado deveria entrar numa disputa ideológica pela “nova classe média”, que estaria sob a hegemonia dos evangélicos.

Evangélicos reagiram com veemência à escolha de Eleonara Menicucci de Oliveira, que cuida da pasta de Políticas para Mulheres. Feminista e defensora do aborto, Eleonara assegurou que seguirá as diretrizes do governo nesse assunto. Enquanto candidata, Dilma Rousseff, pressionada pelos conservadores, definiu em carta à nação que não encaminharia, se eleita, qualquer proposta de liberalização do aborto. O Brasil foi cobrado, recentemente, pela Organização das Nações Unidas por causa da morte anual de 200 mil mulheres vítimas de abortos de risco.

Candidato à prefeitura de São Paulo com as bênçãos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, catalisa uma forte rejeição de evangélicos e católicos conservadores porque, enquanto titular da pasta, tentou distribuir o que ficou popularmente conhecido como kits anti-homofobia nas escolas públicas do país.

Por pressão de evangélicos e católicos, a distribuição foi sustada, mas aproveitada em cursos de formação de professores. Em sua defesa, Haddad lembrou que o kit anti-homofobia surgiu de uma emenda parlamentar e que a sua distribuição nas escolas foi suspensa por causa da reação de setores das igrejas.

Sobrinho do bispo Edir Macedo, líder da IURD, Crivella frisou que é indicado pelo PRB para assumir a pasta da Pesca “não da bancada evangélica”. No Senado, o novo ministro tentou impedir a aprovação da proposta que facilitou o divórcio no país e criticou, de modo ferrenho, as propostas de liberalização do aborto e à união homossexual.

Em entrevista, antes de assumir o ministério da Pesca, Crivella assinalou que não sabia como se coloca uma minhoca no anzol. “Colocar a minhoca no anzol se aprende fácil. O difícil é aprender a pensar nos outros”, declarou.

Ele defendeu, na posse, a ampliação dos projetos de pesquisa para o setor, a geração de novos empregos, a duplicação do consumo per capital de pescado no país e a formação de pessoas qualificadas para atuarem no setor. A estimativa é que a produção pesqueira do Brasil chegue a 700 mil toneladas em 2012.

Fonte: ALC (05.03.2012)

sábado, 3 de março de 2012

Profecia e esperança: um tributo a Milton Schwantes - por Martin Norberto Dreher

Na tese de doutoramento, Milton centrou suas atenções no grupo dos socialmente fracos do antigo Israel. Verificou que os pobres não são grupo periférico, mas que são praticamente idênticos ao povo de Deus. Deus é um Deus que se volta aos que sofrem.



Milton Schwantes nasceu a 26 de abril de 1946, às 8h30min, no Hospital N. S. do Rosário, na Vila de Tapera, no município de Carazinho/RS. O pai, Delfino Schwantes, e a mãe, Eugênia, nascida Graeff, residiam, então, em Lagoa dos Três Cantos, também pertencente ao município de Carazinho. Era o quarto filho do casal de agricultores. Milton Schwantes recebeu o Santo Batismo a 26 de maio de 1946, em Lagoa dos Três Cantos. Em 1951, Delfino Schwantes faleceu em conseqüência de cirurgia malsucedida.

Quando da morte do pai, os irmãos Norberto e Édio estudavam em São Leopoldo, no Instituto Pré-Teológico, curso de humanidades da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), que preparava para o futuro estudo teológico. Os dois irmãos tornar-se-iam, assim como mais tarde Milton, pastores. Outro irmão, Arlindo, seguiria a carreira do magistério, estudando na Escola Normal Evangélica, igualmente localizada em São Leopoldo.

Viúva, Dona Eugênia migrou com Milton para Nova Petrópolis. Os Schwantes haviam sido imigrantes alemães que, originalmente, se fixaram em Nova Petrópolis. Eugênia era natural do Vale do Taquari. Passado meio ano, mãe e filho rumaram para São Leopoldo. Trabalhando na cozinha do Instituto Pré-Teológico (IPT), Dona Eugênia conseguiu dar formação escolar digna aos quatro filhos. Pessoa de grande piedade, servia também como exemplo de fé para os muitos estudantes que se deslocavam de todas as partes do Brasil para estudar no Morro do Espelho. Até a velhice, sua piedade se fez presente na vida da comunidade luterana de São Leopoldo, que soube mirar-se nela também quando da morte de seu filho mais velho, Norberto, morto como deputado constituinte. Com as mudanças ocorridas, Milton estudou ano e meio em Lagoa dos Três Cantos, meio ano em Nova Petrópolis. O restante do “curso primário”, como eram designados então os cinco primeiros anos de estudo escolar, foi completado no Instituto Rio Branco, em São Leopoldo, educandário da comunidade luterana local.

Nos próximos sete anos, os estudos teriam prosseguimento no IPT. Quase que ao natural, preparava-se o caminho para a formação teológica. A escola IPT fornecia sólida formação humanística, na qual as línguas recebiam destaque: latim, grego, português, alemão e inglês. Aqui, os clássicos puderam ser lidos, de César a Cícero, passando por Tácito e por Ovídio, de Xenofonte a Platão, de Camões a Érico Veríssimo, passando por Alexandre Herculano, Júlio Diniz e Ferreira de Castro, Machado de Assis e Graciliano Ramos, de Walther von der Vogelweide a Bertolt Brecht e Robert Musil, passando por Schiller, Goethe e Heine, de Shakespeare a Thornton Wilder. História e geografia, as ciências físicas e biológicas e a matemática completavam o quadro. O canto, instrumentos musicais e o teatro tinham espaço garantido. No mês de julho, “excursões artísticas”, durante as quais comunidades luteranas do Brasil meridional e do Espírito Santo eram visitadas, permitiam que os talentos do IPT se expressassem. Neste ambiente, aos poucos, Milton foi se destacando como estudante, mesmo que tenha dito ter passado “por várias dificuldades, a maior das quais sem dúvida a expressão na língua alemã”, o que não era verdade. Verdade é que participava de geração de descendentes de imigrantes alemães no pós-guerra, os quais mais do que nunca queriam ser aceitos como brasileiros e inserir-se na então propalada “realidade brasileira”. Bom desportista, Milton também destacou-se como líder estudantil, participando da organização do Grêmio Estudantil do IPT (GEIPT), do qual também foi presidente, em tempos difíceis, pois no penúltimo ano de estudos no IPT acontecera o golpe militar (1964) e, paulatinamente, todo o movimento estudantil seria desarticulado. Os estudantes do IPT integraram, como últimos, a última diretoria da União Leopoldense de Estudantes Secundários. Para grande susto dos professores do IPT, organizaria, com outros colegas, o “Ratio Club”, nome pomposo para sociedade de estudantes escolhidos a dedo entre seus pares para discutir temas gerais da vida política, filosófica e religiosa. Para a tradição pietista de então, “ratio” era palavra mais do que suspeita.

Em 23 de outubro de 1960, aos 14 anos, Milton foi confirmado na Igreja Luterana de São Leopoldo. O Rev. W. Hilbk deu-lhe para a caminhada na vida de fé a palavra “Buscai, em primeiro lugar, o Seu reino e a Sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6.33).

Em março de 1966, Milton iniciava seus estudos na Faculdade de Teologia da IECLB. Estava com 19 anos. Na época, a Teologia ainda era marcada por alguns nomes exponenciais. Havia, inclusive, colegas de semestres mais avançados que declaravam pertença a escolas teológicas. Havia os bultmannianos. Rudolf Bultmann já não mais governava. Democrático, permitia que a seu lado surgissem “estrelas” bastante díspares como Herbert Braun, Ernst Fuchs ou Ernst Käsemann. Sua marca registrada era o charuto. Os discípulos de Bultmann eram bastante autônomos. Alguns estudantes sentiam-se atraídos pelo “Chamado para a Liberdade”, de autoria de Käsemann, publicado em 1968 em quarta edição. Ao lado dos bultmannianos existiam os barthianos. Sua marca registrada era o cachimbo. Barth, mesmo tendo atacado violentamente o nazismo, não era muito chegado à democracia em questões teológicas. A primeira geração de seus discípulos não podia se afastar um centímetro sequer da KD, abreviatura então usual no jargão teológico para a Kirchliche Dogmatik (Dogmática Eclesiástica) do teólogo suíço. A maior parte de seus discípulos (Ernst Wolf, Hermann Diem, Walter Kreck, Helmut Gollwitzer) até consentia em que o mestre pensasse por eles, diziam as más línguas. Alguns dos colegas mais adiantados chegaram a devorar a Summa Theologica de Barth. Na Europa, Barth e Bultmann digladiavam-se como baleia e elefante, segundo dizia Barth. Lá e cá havia os que buscavam intermediar entre Barth e Bultmann, sem sucesso. Para os que ingressavam em 1966, as brigas entre os dois “B”s já não interessavam, mesmo que fosse interessante observar entre os professores de São Leopoldo alguns netos dos velhos, quando iniciavam algum debate.

A geração de Milton não experimentou mais a formação de escolas teológicas tão claramente delimitadas quanto o experimentara a geração anterior. Não havia mais alternativas? Tinha medo do debate político? Da Europa ainda vinham, através dos professores majoritariamente alemães, ecos de alguns debates. Lá acontecia a “Teologia Política”, liderada pelo católico Johann Baptist Metz. Havia grupo em torno de Trutz Rendtorff que se designava de “Teologia do Cristianismo”, neoprotestantismo redivivo. Mas não se brigava mais. Não se ouvia mais um “não!” ou um “sim!” categórico. Houve discussões em torno da secularização (Gogarten); surgiu a “Teologia-da-Morte-de-Deus” (Altizer e Hamilton); alguns se preocupavam com a cidade secularizada (Harvey Cox, A cidade do homem). Discutia-se a possibilidade de ainda se fazer teologia depois de Auschwitz (Dorothee Sölle), numa autocrítica muito salutar. Wolfhart Pannenberg desenvolveu uma “Teologia da História” como alternativa à teologia de Bultmann. Foi aceito por setores conservadores e rejeitado pelos barthianos. Na Alemanha se desenvolvia, ainda, contra Barth e Bultmann, um movimento designado de “Nenhum Outro Evangelho”. Era prenúncio de forte tendência evangelical que logo se manifestaria na IECLB, sendo confundida com teologia arminiana, trazida por pastores luteranos dos EUA para um Brasil no qual o protestantismo de missão tendia sempre mais para uma teologia influenciada pela extrema direita do senador norte-americano MacCarthy.

Estávamos, em São Leopoldo, nos anos de 1966, 1967, 1968... em crise. Nossos sonhos tinham sido abortados em 1964. Só viríamos a votar para presidente com os nossos filhos. Na difícil situação de 1964, um livro se nos tornou livro de cabeceira e nos fazia refletir: Resistência e submissão, as cartas de Dietrich Bonhoeffer em seu cativeiro. Seu tradutor, Ernst Bernhoeft, judeu luterano, fugira para o Brasil durante o regime nacional-socialista, tornara-se professor na IECLB, mas não fora aceito no ministério pastoral luterano. Depois, atuou, com muita bênção, na Igreja Episcopal Anglicana do Brasil. Em 1966, em Genebra, um ex-professor do Seminário Presbiteriano de Campinas tornara pública sua “Teologia da Revolução”. Como ser cristão em situação revolucionária, de total efervescência como a América Latina daqueles dias? Richard Shaull nos auxiliou com seu livro Transformações profundas à luz de uma teologia evangélica, publicado pela Editora Vozes, pois não havia editora protestante com suficiente coragem para publicá-lo. Em 1966, caiu-nos nas mãos a sexta edição do livro que nos determinaria, Teologia da esperança, de autoria de Jürgen Moltmann. A primeira edição saíra em 1964. O livro de Jürgen Moltmann perguntava pelas conseqüências da escatologia cristã para nosso fazer e viver teológico na América Latina.

Os estudantes da Faculdade de Teologia éramos quase todos descendentes de imigrantes alemães. A IECLB era “igreja de alemães”; mais de 70% de seus pastores ainda eram alemães. A América Latina, o Brasil quase não participavam de nosso horizonte, se bem que – verdade seja dita –, desde o choque da Segunda Guerra Mundial, o Brasil fosse cada vez mais o horizonte da Igreja Luterana. Naqueles anos, a miséria da maioria da população do “Terceiro Mundo” começou a ter significado teológico e a encontrar expressão teológica. No protestantismo brasileiro, a Conferência do Nordeste que falara de Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro foi um marco. Nossa situação de então leva-nos a perguntar pelo que estava acontecendo em termos de teologia na América Latina e que nos viria a influenciar após nossa saída da Faculdade de Teologia.

Na história eclesiástica do século XX, a eleição de João XXIII, a 28 de outubro de 1958, vai ser lembrada como marco de singular importância, pois já em janeiro de 1959 este papa convocou o Concílio Vaticano II. Podemos designar João XXIII de papa da distensão. Suas encíclicas Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963) e seu falar da “Igreja dos Pobres” foram de fundamental importância para os compromissos sociais e políticos do catolicismo na América Latina e não deixaram de repercutir também no seio do protestantismo latino-americano.

As colocações feitas por João XXIII em suas encíclicas e pronunciamentos coincidiram com uma época de ebulição em toda a América Latina. Em 1º de janeiro de 1959, Fidel Castro pôs fim ao regime de Fulgencio Batista, em Cuba. Desde aquele ano, as esquerdas passaram a pensar que o movimento guerrilheiro tinha chances, que o marxismo representava a única via para a liberdade e que o socialismo poderia ser concretizado na América Latina. Camilo Torres o sacerdote que julgava não mais poder consagrar os elementos da eucaristia, enquanto houvesse opressão, e Ernesto Che Guevara eram modelos. Em 1966 morreu Camilo, em 1967 Che. A primeira fase da guerrilha chegava ao fim: em 1969 morreu Carlos Marighella, no Brasil; em 1973 deu-se o fim do movimento tupamaro, no Uruguai, e em 1978 terminou o movimento montonero, na Argentina. Fidel, Camilo Torres, Che faziam parte de nosso saber e estudar, mesmo que seus nomes só pudessem ser balbuciados em silêncio. Desde 1º de abril de 1964, o Brasil passou a viver sob regime militar, introduzindo, em 1968, a doutrina da segurança nacional. As esperanças de muitos repousavam no “modelo chileno”, introduzido por Salvador Allende no Chile (1970-1973) e, depois, no Peru (Alvarado, 1968), na Argentina (1971ss, Lanusse e Perón) e na Bolívia (1971, Torres).

No entanto, desde 1968, anunciaram-se sucessivos golpes militares que introduziam “regimes de segurança nacional” e que punham fim aos sonhos que julgavam ser possível a introdução do socialismo por meios pacíficos. Em 1968, militares golpearam militares, introduzindo esse novo tipo de regime no Brasil e exportando-o nos anos seguintes: Bolívia (1971), Uruguai (1973), Chile (1973), Peru (1975) e Argentina (1976).

Os únicos países em que a situação ficou mais ou menos estável na América Latina foram o México e a Venezuela. Ao México afluía a inteligência expulsa da América do Sul. Enquanto os regimes de segurança nacional campeavam na América do Sul, desde 1976/77 a inquietação tomava conta da América Central, culminando em 1979 com a vitória do movimento sandinista, na Nicarágua. Na América do Sul, regimes militares cansados e no fim de sua sabedoria permitiram o retorno da democracia, e, aos poucos, explodiu toda a miséria de um Continente, ficando mais evidente do que nunca. Contava-se já o ano de 1985.

Nesses anos conturbados, porém, foi gestada teologia de maneira muito séria, buscando elementos para que o povo de Deus pudesse sobreviver no deserto, sem perder as esperanças em relação ao reino de Deus.

Desde 1965, alguns sacerdotes católicos se reuniam em diversos países do continente: Gustavo Gutiérrez, Juan Luis Segundo e Segundo Galilea, entre outros. Estes sacerdotes formularam suas principais teses entre 1965 e 1970. Em Montevidéu desenvolveu-se, na mesma época, o trabalho de ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina). Aqui a teoria da dependência e a sociologia da libertação foram pesquisadas. O grande pensador teológico desse grupo foi Richard Shaull, professor do seminário teológico da Igreja Presbiteriana do Brasil, em Campinas, e, desde 1962, professor em Princeton, nos Estados Unidos.

Shaull reconheceu as tendências revolucionárias na América Latina e fez a tentativa de interpretá-las à luz do Evangelho. Daí resultou seu livro As transformações profundas à luz de uma teologia evangélica, publicado pela Editora Vozes, em 1966. A violência e a revolução são os temas a partir dos quais dirige perguntas à Igreja. Conhecida tornou-se também a publicação de ISAL, Cristianismo y Sociedad. Ao lado de Shaull devem ser mencionados como representantes da teologia da libertação no âmbito evangélico pessoas como Emilio Castro, Julio de Santa Ana, José Míguez Bonino e Rubem A. Alves. ISAL também serviu de lar para católicos como Hugo Assmann e Pablo Richard, quando tiveram que ir para o exílio, desamparados por suas igrejas. Ao contrário do grupo mencionado em primeiro lugar, os teólogos evangélicos tiveram grandes dificuldades. Em sua maioria não eram aceitos por suas denominações e tiveram que receber suporte do Conselho Mundial de Igrejas. O grupo reunido em torno de Gutiérrez recebeu apoio de bispos.

Em nossos estudos, em São Leopoldo, pouco do que estava sendo fermentado na América Latina movia nossos estudos teológicos. No período de 1966 a 1970, tivemos muita exegese bíblica, estudamos a História Eclesiástica, que não contemplava a América Latina, debruçamo-nos sobre a Teologia Sistemática e a Ética, tivemos aulas de Teologia Prática, tudo com grande empenho de nossos professores: Gerhard Barth, Joachim Fischer, Lindolfo Weingärtner, Hans Strauss, Bertholdo Weber, Harm Alpers, Gottfried Brakemeier, Nelson Kirst. Milton Schwantes teve, na época, em 1969, o privilégio de estudar por um semestre em Buenos Aires, com Leskó, Obermüller, Ruuth e Bahmann, onde pôde respirar ares distintos dos nossos.

Em 4 de julho de 1970, Milton concluiu seus estudos na Faculdade de Teologia. Seu trabalho de conclusão da graduação comparou o decreto sobre o ecumenismo do Vaticano II (1964) com as declarações sobre a unidade emitidas na conferência do Conselho Mundial de Igrejas em Nova Delhi (1961). Na época, a direção da IECLB preocupava-se com a formação de um quadro docente teológico que viesse de encontro à “indigenização” da Igreja, como se dizia na época. Dentro desse programa, em 1970, já haviam concluído seus doutorados Lindolfo Weingärtner (Teologia Prática), Gottfried Brakemeier (Novo Testamento) e Nelson Kirst (Antigo Testamento). Na Europa encontravam-se para estudos de pós-graduação Hans Benno Asseburg, Ervino Schmidt e Walter Altmann. Milton foi indicado para a pós-graduação em Heidelberg, junto ao professor Dr. Hans Walter Wolff. Antes de partir, para iniciar seus estudos em 1971, contraiu matrimônio com Elisabeth Klein. Os estudos foram possibilitados por bolsa da Igreja Evangélica na Alemanha e do Fundo de Educação Teológica do Conselho Mundial de Igrejas. Em Heidelberg, suas atenções centraram-se no direito dos pobres. Foi esse também o tema de sua tese O direito dos pobres, na qual estudou os conceitos utilizados para caracterizar os pobres na Lei e nos Profetas.

Milton centrou suas atenções no grupo dos socialmente fracos do antigo Israel. Verificou que os pobres não são grupo periférico, mas que são praticamente idênticos ao povo de Deus. Deus é um Deus que se volta aos que sofrem. A descoberta feita no estudo do Antigo Testamento estava a apontar para o canto firme de novo período na história da teologia, particularmente da América Latina. No prefácio de sua tese, Milton escrevia: “Em sua obra decisiva para a nova reflexão teológica na América Latina – Teología de la Liberación – Gutiérrez novamente apontou para a importância das afirmações bíblicas – especialmente as vétero-testamentárias – sobre a pobreza para um testemunho cristão, ‘do qual depende a autenticidade da pregação da mensagem evangélica’.” Mal imaginava o jovem exegeta, com seus 28 anos, que em breve estaria a integrar a corrente daqueles que participariam da releitura da mensagem bíblica no contexto brasileiro e latino-americano, vindo a ser um de seus principais expoentes. O período entre 1970 e 1975 deve ser visto como tempo da livre expansão da teologia da libertação. A época foi caracterizada por diversos congressos. O primeiro deles ocorreu em El Escorial (8-15 de julho de 1972). Os resultados desse congresso foram publicados na revista Concilium (junho de 1974). Já em agosto de 1975, no México, por ocasião de um segundo congresso, descobriu-se que existia uma ampla frente de teólogos da libertação, em oposição à qual se podia constatar diversas posições, que, no entanto, não formavam uma unidade. O desenvolvimento político no Continente não permitiu novos encontros.

As primeiras publicações mais importantes surgiram igualmente nos anos de 1970 a 1975. Juan Luis Segundo publicou, em 1970, Da sociedade à teologia e, em 1975, Libertação da teologia. Hugo Assmann escrevia, em 1971, Opressão – libertação: desafio para os cristãos, em 1973, Teologia desde a práxis da libertação. Rubem Alves publicou, em 1969, A theology of human hope. A obra saiu com esse título porque a editora não concordou com o outro: Teologia da Libertação. José Míguez Bonino escreveu, em 1976, A fé em busca de eficácia.

Logo surgiu uma segunda geração de autores, cujas obras devem ser vistas como conseqüência de Medellín. Entre eles devem ser mencionados: Severino Croatto (Argentina), Ronaldo Muñoz (Chile), Leonardo Boff (Brasil), Raúl Vidales (México). Especial destaque merece nessa geração o argentino Enrique Dussel, cujas publicações surgiriam no exílio mexicano. Doutor em Filosofia, Teologia e História, Dussel concentrou em sua pessoa um largo espectro da teologia da libertação, tendo publicado em 1972, em Barcelona, sua História da Igreja na América Latina, que veio a servir de modelo para o projeto da Comissão de Estudos da História da Igreja na América Latina (CEHILA), que procurou escrever história da Igreja desde a ótica dos oprimidos. Ao lado de Dussel, devem ser mencionados os nomes de Eduardo Hoornaert, José Oscar Beozzo e Riolando Azzi.

O desenvolvimento político da América Latina não deixou de ter influências sobre a teologia da libertação. Em 1975, Leonardo Boff escreveu sua Teologia a partir do cativeiro. Gutiérrez publicou, em 1977, Teologia desde o avesso da história e, em 1978, A força histórica dos pobres. Nessas obras, começaram a surgir novos acentos. A libertação foi vista como a luta pacienciosa, persistente do povo latino-americano, em situação de perseguição e opressão. Enquanto algumas pessoas pensavam que os estados de segurança nacional significavam um retrocesso para a teologia da libertação, aconteceu o contrário: a teologia da libertação se espalhou. O movimento popular e as comunidades eclesiais de base assumiram os pensamentos da teologia da libertação, especialmente no Brasil, mas também no México, El Salvador, Peru, Chile e Bolívia.

Por isso, também é compreensível que a teologia da libertação tenha vindo a se tornar mais e mais reflexão sobre a práxis dos pobres, que se haviam organizado em comunidades e movimentos. Nesse sentido, a teologia da libertação deixava mais e mais de ser reflexão da práxis da inteligência para ser popular. Novos autores participaram dessa fase: Clodovis Boff e João Batista Libânio (Brasil), Jon Sobrino (El Salvador). Revistas se abriram à teologia da libertação: Revista Eclesiástica Brasileira (REB) (Brasil) e PÁGINAS (Peru).

Depois, especialmente o trabalho exegético passou a ser incrementado. O nome mais conhecido entre os exegetas da teologia da libertação é o do carmelita Carlos Mesters. Merecem, no entanto, ser mencionados os nomes de José Comblin, Jorge Pixley, Gilberto Gorgulho, Ana Flora Anderson e Milton Schwantes. A experiência das comunidades eclesiais de base perguntava pela Escritura.

A maior divulgação da teologia da libertação, no entanto, aconteceu através de folhetos e de cópias de conferências, pois os seus teólogos não dispunham de grandes bibliotecas nem lhes era concedido o acesso às cátedras teológicas. Vasta foi também a divulgação da teologia da libertação através do cântico.

As reações à teologia que se desenvolveu nesse contexto foram muitas. As críticas chegaram a seu auge após a publicação, em 1981, da coletânea de artigos do franciscano Leonardo Boff, Igreja, carisma e poder.

Neste contexto, Milton Schwantes retornou ao Brasil, em agosto de 1974, sendo indicado pelo Conselho Diretor da IECLB para atuar como pastor em Cunha Porã/SC. Nessa atividade, foi pastor querido por seus paroquianos. Pequeno exemplo de sua atividade no período foi a publicação do caderno Sementes. A linguagem simples e vigorosa fala de cristãos como sal da terra, do “meu povo” de Miquéias: o povo humilde e humilhado, as camadas mais pobres da população, e apela para que a Igreja Luterana volte seus olhos para os desvalidos. Com outros colegas, participou de elaboração de material para a catequese e para o ensino confirmatório. Os pastores do então Distrito Uruguai da IECLB tinham sua própria editora: A Publicadora Uruguai (PU), e a série de suas publicações era designada de Cadernos do Povo. Ao lado destas publicações, desde 1977 publicava também, regularmente, auxílios homiléticos na série Proclamar Libertação. Milton participou destas atividades até julho de 1978, quando veio o convite para ser professor na Faculdade de Teologia da IECLB, em São Leopoldo, hoje Escola Superior de Teologia.

Milton passaria a ser professor de Antigo Testamento. A teologia bíblica que o ocupava desde os tempos da confecção da tese de doutorado, a experiência feita em Cunha Porã e os contatos ecumênicos faziam-no acentuar a dimensão profética do ministério pastoral e do ser do professor de Teologia Bíblica. Por isso, pediu para não residir no Morro do Espelho, sede das instituições da IECLB, em São Leopoldo, mas no Bairro São Borja, em casa simples. Queria fazer teologia no diálogo com os vizinhos, gente simples. A solidariedade com pastores e pastoras que atuavam em condições difíceis fê-lo optar pelo mesmo salário recebido por eles e elas, desistindo de um abono concedido aos professores de Teologia. A época era a da colocação de sinais. Sinal também foi colocado em sua preleção inaugural, expressão utilizada para a conferência pública com a qual a instituição Faculdade de Teologia apresentava seus novos professores. A conferência levou por título “Natã precisa de Davi”. O título sugestivo gerou polêmica e muita reflexão. Polêmicas foram também as preleções e seminários dirigidos pelo novo professor, que logo soube atrair a atenção e o carinho dos estudantes. Em pouco tempo, o exegeta ficaria conhecido além das fronteiras da pequena Igreja Luterana e começaria a dar sua contribuição para o estudo da Bíblia que se intensificava em todo o continente latino-americano.

Naquele final da década de 1970 e ainda durante a década de 1980, pouco era o material exegético de qualidade que poderia ser oferecido aos estudantes de Teologia. Em nível interno, Milton tomou iniciativa importante, na qual continuou a exercitar o que fizera anteriormente em Cunha Porã. Incentivou seus colegas a publicar manuscritos em forma de cadernos de estudos. Muitas publicações que hoje são sucesso editorial, entre as quais se encontram textos do próprio Milton, começaram a ser difundidas nessa forma singela. Aos poucos, a publicação de textos foi se multiplicando. Lembre-se aqui o pequeno comentário sobre Ageu, publicado no Comentário Bíblico AT, em 1986, A família de Sara e Abraão, também de 1986, e sofrimento e esperança no exílio, de 1987, surgido a partir de estudos realizados no Chile, em meio a gente muito sofrida.

Em 1987, ocorreram também o encerramento das atividades em São Leopoldo e a transferência para Guarulhos/SP. Ali, Milton pretendia fazer a experiência de conjugar trabalho pastoral na congregação luterana e atuar como professor. Desde 1988 seria professor de Bíblia no que hoje é a Universidade Metodista de São Paulo. A casa pastoral de Guarulhos não foi apenas residência do pastor e de sua esposa. Era porta de acesso ao Brasil para um sem-número de pessoas que, vindas dos mais diferentes rincões do planeta, queriam conhecer o trabalho de comunidades eclesiais de base, de cristãos que eram movidos pela certeza de que em Jesus se alcança a libertação e que Deus é um Deus que nos liberta de cativeiros sociais, políticos, econômicos e espirituais. Milton tornava-se não apenas embaixador de teologia luterana, mas embaixador de teologia da Igreja de Jesus Cristo que vivia em cativeiro. Sua produção teológica desde então não pode mais ser mencionada com o arrolamento de alguns poucos títulos. Aqui seria necessário arrolar as centenas de títulos, de orientações de dissertações e teses, conferências... e o espaço se torna pequeno. Certo é que, ao atingir os 60 anos de idade, sua produção o coloca entre as mais expressivas personalidades do mundo acadêmico brasileiro e entre os grandes da exegese internacional. Foi este o motivo que levou a Universidade de Marburgo (Alemanha) a conceder-lhe, em 2002, o título acadêmico de Doutor Honoris Causa. Seus muitos alunos há muito romperam os limites da pequena Igreja Luterana, sendo encontrados nas mais diferentes denominações cristãs do Brasil e do exterior.

A menção do ano da concessão do título de Doutor Honoris Causa força-nos a refletir sobre situações de sofrimento na vida do teólogo. O teólogo cristão só conhece a Deus a partir daquele lugar em que Deus revelou o seu rosto: a cruz de Jesus de Nazaré, confessado como o Cristo. Deus se revela sob o contrário do que é, também para o teólogo que tem que experimentar, não raro, em sua vida cruz e sofrimento para poder compreender o real significado da ressurreição e da esperança que brota da manhã da Páscoa. O teólogo Milton teve que experimentar o fim de seu casamento com Elisabeth. Foi situação de cruz e de sofrimento para ambos. Depois, Milton pôde iniciar nova união com Rosi, que lhe trouxe três meninas, as quais passaram a ser suas filhas. Mal esta nova fase em sua vida iniciara, e nova aflição abateu-se sobre ele, seus familiares e amigos. Começaram a se acentuar dificuldades com a visão, as quais, assim se verificaria, eram provocadas por tumor benigno. Também tumores benignos causam danos irreparáveis. Fez-se necessária cirurgia, longo período de recuperação, mantiveram-se lacunas na memória. Houve a necessidade de longo período de adaptação e o aprendizado de que, quando Deus nos preserva e nos sustenta por mãos amigas, precisamos reaprender a dar passos pequenos e a dizer, novamente: “Por tua mão me guia, Senhor Jesus...”, usando as palavras de hino luterano, cantado por diversas gerações.

Quando se traça perfil biográfico de um teólogo que aprendeu intelectual e vivencialmente o significado da theologia crucis, o autor não pode terminar numa laudatio, mas tem o dever de oferecer discurso correspondente à theologia crucis. A teologia que Milton Schwantes até agora transmitiu e continua transmitindo trouxe muito movimento abençoado para o contexto no qual vive, para suas comunidades cristãs e para seu kairós. Milton concretizou teologia sobre a terra. Procurou tornar a Verdade concreta. A Verdade sempre é concreta, como é concreta a Verdade que liberta. Os explorados, exilados e oprimidos, para os quais foi formulada, muito lhe devem. Pobres, afro-descendentes e mulheres que hoje andam de cabeça erguida muito devem às teologias formuladas em contexto. Da história da Igreja, no entanto, se aprende que as teologias contextuais estão limitadas a tempo e a espaço. Suas possibilidades também são limitadas. Podem ainda existir radicalizações e influências sobre outros, mas sempre surge o instante da estagnação. Há teologias que ainda conseguem ver seus filhos e netos, raríssimas os bisnetos. Gustavo Gutiérrez soube, por isso, situar a teologia da libertação na teologia da vida. E aqui é importante verificar que houve mudanças no fazer teologia. Elas merecem nossa reflexão.

A geração de teólogos e teólogas que comungou com Milton Schwantes leitura e interpretação semelhantes do Evangelho fez a experiência de que, muitas vezes, as coisas acontecem de forma distinta do que aguardavam.

Às vésperas da conclusão de seus estudos de graduação em Teologia, em 1968, o cheiro de revolução estava no ar. Havia protestos contra a Guerra do Vietnã (Era um garoto que, como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones...), contra a sociedade de consumo capitalista e contra a ditadura do socialismo real dos burocratas. Nem o Oriente nem o Ocidente gostavam destes protestos, pois eles “solapavam” a ordem estabelecida. Perguntávamos como mudar o status quo lá e cá. As bases, os fundamentos da sociedade deveriam ser alterados. A palavra “revolução” significava muitas coisas e era utilizada para muitas finalidades: revolução socialista, revolução democrática, revolução sexual, revolução cultural, revolução de costumes... Para amainar o “ímpeto revolucionário” alguns se valiam da palavra “religião” e contrapunham a religião à revolução: jovens crentes não participam de demonstrações!


Nesse período, a leitura teológica da sociedade se alterou, profundamente. Lendo Harvey Cox, dizíamos que a sociedade se secularizava (não víamos que no Brasil se tornava cada vez mais religiosa!); interpretando Bonhoeffer, considerávamos a sociedade sem-religião, quando já havia muitos que a passavam a perceber multirreligiosa. Enquanto alguns ainda buscavam diálogo com ateus (Moltmann, Jüngel, Machovec, Sölle), Hans Küng passou a andar de braços dados com as grandes religiões e afirmou que o diálogo inter-religioso era uma das mais importantes tarefas teológicas (!) do mundo moderno. Numa leitura similar que permanece até hoje, algumas denominações cristãs, comunidades e teólogos julgam este diálogo tão importante que ateus, pessoas sem religião e tais que se distanciam da Igreja não mais importam. É certo que a religião se tornou questão de foro íntimo. Sobre qualquer forma de religião e de sentimento religioso se encontra oferta nas livrarias esotéricas. Quando teólogos só buscam mais o diálogo inter-religioso, seu horizonte de diálogo fica bastante restrito. Será que cristãos são apenas “pessoas religiosas”? Que interesse político há por trás da intenção de que pessoas religiosas dialoguem consigo mesmas e deixem o restante do mundo em paz?


Blumhardt e Bonhoeffer nos lembram que Jesus não trouxe uma nova forma de religião, mas “vida nova”. Parece-me que o Evangelho da vida se dirige ao mundo da religião e ao mundo não-religioso, pois a vida do mundo está no centro da fé cristã (Jo 1.4).


Os reformadores promoviam longos debates sobre a “verdadeira” e a “falsa” Igreja. Discutiam até chegar a compromissos ou a se separarem. O “diálogo” busca “caminhadas”, nada sabe de um alvo. Quando o diálogo chega a um resultado, está no fim, acabou. Os que dialogam se aproximam, aprendem a conviver, mas não se convencem.


Com isso não estou a dizer que o diálogo inter-religioso não seja importante. Ele nos ajuda a conhecer o outro e a nós mesmos. Pode diminuir preconceitos, mas não leva o outro a se tornar cristão; no máximo estabiliza o status quo. No fim, tudo “acaba em pizza”, em “diversidade reconciliada”. Assume-se a indiferença tolerante da pós-modernidade. A teologia reduzida a “diálogo inter-religioso” é programa conservador e mais um placebo.


Diálogo só faz sentido onde é indispensável. Diálogo dos “homens de boa vontade” é perda de tempo. Diálogo é indispensável em relação aos extremistas da religião. Quem está dialogando com os fundamentalistas islâmicos? Quem está dialogando com os fundamentalistas cristãos? Quem tem que dialogar com fundamentalistas islâmicos é o Islã pacífico. Dialogar com os guerreiros de Deus que cercam Bush é tarefa de teólogos cristãos. Mas ambos têm que dialogar por causa dos perigos que cercam o mundo, e aí o diálogo se transforma em debate que busca a Verdade...


Na década de 60 buscou-se solucionar a questão da identidade através do protesto: a razão da existência era o protesto; na década seguinte, a questão era a “curtição”. Faziam-se shows para “curtir”. Tudo era feito para a recreação, tinha “finalidade recreativa”, narcisismo puro. Por isso, se passou a buscar a identidade do ser humano em seu “interior espiritual”. A conseqüência foi a despolitização: pão e circo.


Na Europa, perdeu-se o interesse pela América Latina e pela África, “o continente morto”. Na América Latina, cresceram o esoterismo e a “auto-ajuda”. Nesses círculos, a “teologia política” passou a ser considerada desprezível. Não foi por acaso que, no meio católico europeu, psicólogos passaram a ter crescente importância. Estudavam mitos e lendas. A “estrutura profunda da alma” passou a ser estudada no exemplo de Chapeuzinho Vermelho ou de Moisés. Deixou-se de lado o contexto social e político da narrativa. No mundo protestante, experimentou-se um renascimento de Schleiermacher. Buscou-se, especialmente na Teologia Prática, a “excitação de disposições mentais piedosas”. A revolução não interessava mais, mas a religião. Na religião se deveria sentir “o sabor do infinito”, que antes os fumantes sentiam ao fumar Hollywood com filtro ou Minister. O discurso “que faz bem” substituiu, nos púlpitos, a teologia profética com suas provocações dolorosas. A teologia deixava de ser sal da terra que machucava a ferida para se tornar chantili de um show de bolo saboroso. Nada exigia, nada provocava.


Seria bom discutir aqui o que aconteceu com os seminários teológicos, mas isso é outra conversa.


No centro da fé cristã está a missão (do Reino) de Deus no mundo. A mensagem da Igreja é o Evangelho da vida. Teologia é teologia pública e deve dirigir-se a todos.


Milton Schwantes viveu e experimentou tudo isso. Rogo que continue no debate, ad multos annos.


Fonte: ALC (03.03.2012)